Já todos ouvimos alguém proclamar alegremente: “Ano novo, vida nova!”. Por vezes rimo-nos; às vezes é uma pena; outras vezes rimo-nos com pena.
“Estudos apontam” para que a expressão “Ano novo, vida nova!” derive dos vírus “Até para o ano!” a 30 de Dezembro e “Lembro-me de 2021 como se fosse ontem” a 1 de Janeiro. Tudo bem… Continuamos, com esforço, a ser amigos e familiares de quem diz este tipo de coisas.
Só que a partir de dezembro (mais fim de outubro…), os anúncios publicitários juntam-se a esta vaga de expressões, fazem parceria com o CIC, e inundam-nos de promessas para o ano que vem: muitas de incentivo à renovação. Renovação esta que, segundo esses anúncios, pode começar pela compra de um carro sem IVA (“OH IVAAAA… IVA!”, ainda consigo ouvir a senhora a gritar à janela); na compra de viagens ou na compra de 12 passas e desejos acessíveis com desconto no Pingo Doce (sim, pensámos no mesmo…).
Ao associarem a transformação pessoal a um produto comercial, estas narrativas podem fomentar, mesmo que vagamente, a crença na renovação interior como fenómeno de decisão rápida, associado ao material. Como se a transformação que preciso me fosse acessível no imediato do salto de dia 31 para 1 de janeiro.
Penso ser evidente para todos os cristãos, e mesmo para quem não acredita, que a motivação de nos renovarmos e mudarmos, torna-se mais presente no Natal e no fim do ano. Só que a decisão de me submeter a uma renovação genuína só pode existir num terreno trabalhado.
Preparar esse terreno – que é o da vida – para a renovação e crescimento na fé, é uma decisão que tem poucas hipóteses de se tornar fecunda, se for tomada de forma espiritualmente solitária e com expectativas de resultados rápidos. Rápida só a Depuralina. Mas agora mais a sério… Porque o mistério do nascimento de Jesus se torna mais presente nestas semanas desde o Advento ao Natal, e do Natal até à passagem de ano, pode surgir em nós a vontade de questionar o caminho percorrido durante o ano, para preparar o que se aproxima.
Mas há uma coisa engraçada que só percebi este natal: o que suscita esta vontade, pelo menos em mim, é a mudança na forma como me relaciono com Jesus. Ou seja: no Natal suspende-se por um tempo a imagem de um Jesus “crescido”, exigente, com o qual me relaciono durante o ano, que se transforma nesse bebé e menino indefeso – não por isso menos exigente que o homem – que me dizem ser Rei e salvador.
Na abordagem à relação que cada um tem com Jesus e com Deus, podemos considerar teses iconoclastas e o inverso: eu própria não gosto de depender de imagens para estabelecer essa relação. Mas durante estas últimas semanas, a imagem de um Deus recém-nascido é impossível de ignorar. Lembra-me que este menino Deus, que precisou de colo, também vai mudar e vai crescer.
E eu também preciso de crescer. Por isso paro (“escuto e olho” como pede a CP) e apercebo-me que é com Ele que vivo a oportunidade de renovação diária, mesmo que tenha de passar pelo deserto. Porque Jesus não nos pede um plano de resoluções a cumprir em 23 dias e meio para passar à próxima fase da dieta. Penso em n’Ele como alguém que não nos quer escravos de prazos e objetivos.
Acredito que Deus está pronto a recomeçar connosco a todo o momento. Escrevo isto, mas vivo na minha vida muitos períodos de dúvida e de desânimo, e por isso obrigada ao Manel por me ter desafiado a escrever (coisa que faço regularmente, mas nunca com a pressão de um leitor).
Ao tentar escrever estas palavras lembro-me que com Deus, Jesus e a Igreja, a renovação é possível começar já, mas não possui resultado final calculável ou previsível. Decisões e encontros que tive há 3 anos determinaram o início de algo novo que estou agora a começar. Foi com Deus que tomei muitas dessas decisões. Confiar nos seus tempos é, talvez, o mais difícil. Quero ver os resultados já!
Mas tal como a fé, a nossa relação com Deus não é óbvia… Eu própria me questiono, à medida que escrevo, como posso renovar a minha fé. Talvez possa começar com uma avé-maria; a leitura de um texto; aquele poema ou livro por abrir…ligar àquele amigo… Cabe, a cada um de nós procurar e agarrar a Sua mãe, com a calma de quem se sabe filho.
Os meus pais disseram-me que não a muitas coisas que só agora apreendo porquê. Talvez com Deus seja igual: não nos dá sempre e exatamente aquilo que queremos no momento em que o pedimos. Dá-nos tudo o que precisamos, ao seu tempo; que será a eternidade. Tenho a sorte de partilhar o nome com a santa que nos disse “Quem a Deus tem nada lhe falta.” Isto nem sempre nos é claro, e, desculpando-me por não saber concluir textos, só posso rezar para que esta verdade se possa clarificar nos nossos corações.
Um bom ano a todos!
Com saudades das Equipas!