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Sábado da 3ª Semana da Quaresma

18 de Março

Olhamos hoje para o Evangelho que introduz a próxima semana da Quaresma. Aprofundando a sua mensagem, procuramos perceber como ela ilumina e retrata as nossas vidas e como serve de inspiração para tantas palavras e obras de homens e mulheres que de algum modo se deixaram tocar pela vida de Jesus.

A Cegueira

1. A Palavra de Deus

Evangelho segundo São João Jo 9, 1.6-9.13-17.34-38 (forma breve)

Naquele tempo, Jesus encontrou no seu caminho um cego de nascença. Cuspiu em terra, fez com a saliva um pouco de lodo e ungiu os olhos do cego. Depois disse-lhe: «Vai lavar-te à piscina de Siloé»; Siloé quer dizer «Enviado». Ele foi, lavou-se e começou a ver. Entretanto, perguntavam os vizinhos e os que o viam a mendigar: «Não é este o que costumava estar sentado a pedir esmola?». Uns diziam: «É ele». Outros afirmavam: «Não é. É parecido com ele». Mas ele próprio dizia: «Sou eu». Levaram aos fariseus o que tinha sido cego. Era sábado esse dia em que Jesus fizera lodo e lhe tinha aberto os olhos. Por isso, os fariseus perguntaram ao homem como tinha recuperado a vista. Ele declarou-lhes: «Jesus pôs-me lodo nos olhos; depois fui lavar-me e agora vejo». Diziam alguns dos fariseus: «Esse homem não vem de Deus, porque não guarda o sábado». Outros observavam: «Como pode um pecador fazer tais milagres?». E havia desacordo entre eles. Perguntaram então novamente ao cego: «Tu que dizes d’Aquele que te deu a vista?». O homem respondeu: «É um profeta». Replicaram-lhe então eles: «Tu nasceste inteiramente em pecado e pretendes ensinar-nos?». E expulsaram-no. Jesus soube que o tinham expulsado e, encontrando-o, disse-lhe: «Tu acreditas no Filho do homem?». Ele respondeu-Lhe: «Quem é, Senhor, para que eu acredite n’Ele?». Disse-lhe Jesus: «Já O viste: é quem está a falar contigo». O homem prostrou-se diante de Jesus e exclamou: «Eu creio, Senhor».

2. O ambiente

Para além de Jesus, há neste Evangelho um outro protagonista: um cego. Os “cegos” faziam parte do grupo dos excluídos da sociedade palestina de então. As deficiências físicas eram consideradas – pela teologia oficial da época – como resultado do pecado. Entendia-se que Deus castigava de acordo com a gravidade da culpa e a cegueira era considerada o resultado de um pecado especialmente grave.

Sendo uma doença que impedia o homem de estudar a Lei, concluía-se que o cego pura e simplesmente não podia chegar a conhecer o Salvador.

Reparemos no “percurso” que o homem curado por Jesus faz. Antes de se encontrar com Jesus, é um homem prisioneiro das “trevas”, dependente e limitado. O relato descreve – com simplicidade, mas também de uma forma muito bela – a progressiva transformação que o homem vai sofrendo.

Nos momentos imediatos à cura, ele não tem ainda grandes certezas (quando lhe perguntam por Jesus, responde: “não sei”; e quando lhe perguntam quem é Jesus, ele responde: “é um profeta”).

Mas a “luz” que agora brilha na sua vida vai amadurecendo-o progressivamente. Intimado a renegar Jesus e a liberdade recebida, torna-se o homem das certezas, das convicções; argumenta com agilidade e inteligência e recusa-se a regressar à escravidão: mostra o homem adulto, livre e sem medo. Finalmente, o texto descreve o estádio final dessa caminhada progressiva: a adesão plena a Jesus: Eu creio, Senhor.

3. A arte

James Tissot (1836-1902), Le aveugle-né se lave à la piscine de Siloë (aguarela, 1894), Brooklyn Museum, Nova Iorque.

Tissot (1836-1902), conhecido pintor e ilustrador francês, após um período de intensa renovação da sua relação com Jesus, dedicou os últimos anos da sua vida a representar cenas bíblicas. Uma delas é precisamente o episódio do cego da piscina de Siloé.

De uma forma simples e bela, Tissot consegui captar um dos elementos centrais deste Evangelho: a cura que Jesus oferece não é mágica, necessita da cooperação do cego, da livre aceitação da graça dada por Deus.

“Vai lavar-te na piscina de Siloé” – diz-lhe Jesus. Em vez de protestos, dúvidas e perguntas, a reação do cego é um exemplo de confiança para todos nós: “Ele foi, lavou-se e ficou a ver”. De facto, não basta querer o que Deus quer, é preciso também aceitar os passos que Ele nos propõe até lá chegar.

Nesta obra de Tissot, vemos o cego praticamente sozinho. Sem ninguém à sua volta, o cego tem naquele momento o lugar perfeito para duvidar, para voltar atrás, para ignorar e esquecer ordem de Jesus. Ninguém o reprovaria por isso. Contudo, este homem, que vemos inclinado sobre a água, cumpre o que lhe foi dito numa bela lição de fé e humildade.

O resultado não podia ser mais evidente: “ O que sei é que eu era cego e agora vejo”.

4. As palavras dos homens

A cegueira por quem a conhece

No meio de tantas pessoas que se cruzavam com Jesus, por mais de uma vez foi um cego – e não um homem com perfeita visão – que se aproximou d’Ele. Jorge Luis Borges, um dos grandes escritores do século XX, viu a sua visão deteriorar-se progressivamente ao longo da vida. Já praticamente cego, escreveu muito sobre a sua condição. Entre outras coisas, dizia:

O que acontece a um cego, inclusive as humilhações, fracassos, desgraças, é-lhe dado como argila, como matéria para a sua arte. É preciso tentar beneficiar-se disso. Tais coisas foram-nos destinadas para as transformarmos, a fim de que, a partir das circunstâncias dolorosas das nossas vidas, possamos fazer algo de eterno ou que aspire a sê-lo. Se um cego pensar dessa maneira, estará salvo."

Jorge Luis Borges, Sete Noites – Conferências sobre a Cegueira, 1977

5. Para ouvir

Para terminar, fica a sugestão de uma música de Daniel Lanois, interpretada por Dave Matthews. The Maker fala da cegueira espiritual e da transformação de quem se encontra com o Criador.