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Sábado da 2ª Semana da Quaresma

11 de Março

A terminar a 2ª Semana da Quaresma, voltamos a olhar para uma das leituras do Domingo passado. Aprofundando a sua mensagem, procuramos perceber como ela ilumina e retrata as nossas vidas e como serve de inspiração para tantas palavras e obras de homens e mulheres que de algum modo se deixaram tocar pela vida de Jesus.

Abraão, peregrino da Fé

1. A Palavra de Deus

Naqueles dias,
o Senhor disse a Abrão:
«Deixa a tua terra, a tua família e a casa de teu pai
e vai para a terra que Eu te indicar.
Farei de ti uma grande nação e te abençoarei;
engrandecerei o teu nome e serás uma bênção.
Abençoarei a quem te abençoar,
amaldiçoarei a quem te amaldiçoar;
por ti serão abençoadas todas as nações da terra».
Abrão partiu, como o Senhor lhe tinha ordenado.

2. O ambiente

Nos primeiros capítulos do livro do Génesis, é nos descrita uma Humanidade que se afastou de Deus; agora, é nos apresentado um novo ponto de partida. Deus ainda não desistiu do Homens e continua a querer construir com eles uma história de salvação. Para isso, no meio de uma multidão de nações, interpela directamente uma só pessoa, Abraão. Esta “eleição” não é um privilégio, mas sim um convite a realizar uma tarefa difícil: ser um sinal de Deus no meio dos homens.

Porquê o chamamento a este homem, em particular? O texto não nos dá qualquer tipo de explicação direta e humanamente compreensível. É um exemplo perfeito desse grande mistério que é a vocação. Para entender a importância da reação de Abraão, é preciso ter em conta que, para os antigos, abandonar a terra, a pátria e a família era pouco menos do que irrealizável.

A proposta é clara: trocar um horizonte seguro e conhecido para apostar num projeto algo nebuloso e incerto, mas querido por Deus.

Diante deste desafio, Abraão permanece mudo, sem discutir nem objetar. Surpreendentemente, o texto limita-se a descrever como Abraão se pôs a caminho, como se as suas ações valessem por mais de mil explicações.

A figura de Abraão deve servir para questionar o homem instalado e comodista, que prefere apostar na segurança do que já tem, em vez de arriscar a novidade de Deus.

3. A arte

Arnošt Hofbauer (1869-1944), Peregrino (óleo sobre tela, 1905), Národní Galerie, Praga.

Hofbauer, notável pintor e artista gráfico da geração de 1890, via-se a si mesmo nesta pintura. Procurou representar-se na figura de um simples peregrino que caminha lentamente rumo a um santuário de pedra. Este representa o lugar sagrado que deve ocupar no meio do mundo; no fundo, é uma figura da sua vocação.

Para além do santuário, a meta divina, há mais um elemento que prende a nossa atenção: a pantera, que persegue silenciosamente o peregrino. Para Hofbauer representava a tentação de voltar para trás, de ceder a um horizonte que já não integra o céu e o santuário. A pantera – distante, mas sempre presente – transporta os nossos medos, desconfianças e dúvidas. Hofbauer pintou-a rastejante para indicar que todos estes sentimentos são maioritariamente terrenos e superficiais, afastados de Deus e dos Seus critérios.

Como resistir à tentação do regresso ao Homem velho? Como ser como Abraão e confiar no chamamento de Deus? Para este pintor, a solução passa por adotar a atitude deste peregrino, que olha para dentro na esperança de encontrar Deus na verdade sobre si mesmo.

4. As palavras dos homens

Para quê caminhar?

Pode-nos parecer uma situação a evitar, esta de ser constantemente um peregrino. De facto, fazer da vida um caminho para Jesus não é a solução mais fácil: implica perseverar no caminho, deixar para trás os comodismos e confiar n’Aquele nos guia.

 Rainer Maria Rilke, importante poeta do século XX, entendia a importância de olhar a vida como uma peregrinação rumo a Deus. Fazemos das suas palavras a nossa oração:

"Meu Deus, gostaria de muitos peregrinos ser,
Para assim em longo cortejo para Ti caminhar."

Rainer Maria Rilke, O Livro de Horas, Assírio&Alvim, 2020